Em um país onde a história é tão intrinsecamente ligada à justiça, surge mais uma vez o debate sobre o “direito ao não esquecimento” e sua relação com o direito à história. Recentemente, a vice-presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) levantou uma questão crucial ao reconhecer uma possível dissonância entre suas decisões e o enunciado do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema.
O caso em questão, relacionado à infame chacina da Candelária, traz à tona uma discussão que vai além das paredes dos tribunais. Envolve a essência da memória coletiva e sua importância na construção de uma sociedade justa e informada.
Para entendermos o contexto, é fundamental compreender o que está em jogo. O “direito ao esquecimento” surge como uma tentativa de remover do domínio público eventos do passado, baseando-se na passagem do tempo. No entanto, tal conceito confronta-se com o “direito à história”, que defende a preservação da memória coletiva, incluindo eventos controversos e dolorosos.
O STF, ao julgar casos anteriores, estabeleceu a incompatibilidade do “direito ao esquecimento” com os fundamentos constitucionais, destacando a importância da liberdade de expressão e do acesso à informação. No entanto, o novo processo relacionado à chacina da Candelária traz à tona novamente essa discussão, especialmente no que diz respeito à veiculação de programas televisivos que abordam eventos passados.
A decisão do STJ, que inicialmente considerou passíveis de indenização as condutas de uma rede de televisão por mencionar indivíduos absolvidos em processos criminais, levanta questões importantes sobre a liberdade de expressão e o acesso à informação. Afinal, até que ponto podemos restringir a narrativa histórica em nome do “direito ao esquecimento”?
O STF, em seus precedentes, deixou claro que qualquer restrição à divulgação de informações verdadeiras e relevantes deve ser estabelecida por lei, de forma clara e sem anulação da liberdade de expressão. Nesse sentido, a decisão do STJ parece não ter considerado adequadamente esse princípio, ao impor limitações à narrativa histórica.
Além disso, é importante ressaltar que a história não pode ser escondida ou distorcida em nome do esquecimento. Ela é essencial para a compreensão e enfrentamento dos desafios contemporâneos, como a violência endêmica que assola nossa sociedade.
Ao olharmos para o direito comparado, vemos que outras jurisdições reconhecem a importância de preservar a memória coletiva, proibindo a negação de eventos históricos relevantes. A história não pode ser manipulada ou apagada por decisões judiciais; ela pertence a todos nós e é fundamental para nossa compreensão do mundo.
Em última análise, o “direito ao não esquecimento” não é apenas uma questão jurídica, mas também ética e moral. É sobre preservar a verdade e garantir que as futuras gerações possam aprender com os erros do passado. Como disse o Papa Francisco, “a memória é a fonte da paz e do futuro”.
Fonte: portal J